Engolimento máximo das turbinas

Um aspecto relevante para ser considerado no despacho das usinas hidrelétricas é o engolimento máximo de suas turbinas, que corresponde à vazão máxima que pode ser absorvida pelas unidades geradoras. Este engolimento pode ser limitado de duas formas:

  • pela capacidade de engolimento d’água pela própria turbina, em função de alturas de queda líquida muito baixas do reservatório. Nesta situação, o gerador está “folgado”, mas não há “pressão” suficiente para atingir a capacidade de vazão da turbina. Neste caso, diz-se que houve limitação de geração da usina devido à capacidade de engolimento da turbina (ou seja, a turbina limita a operação);

  • pela capacidade de potência que pode ser entregue pelo gerador, que ocorre em alturas de queda muito elevadas. Nesta situação, o máximo de vazão que a turbina pode engolir levaria a uma potência gerada superior à capacidade do próprio gerador.

Neste caso, diz-se que houve limitação de geração da usina devido à capacidade de engolimento do gerador (ou seja, o gerador limita a operação)

Essa questão é ilustrada pela Figura a seguir, que mostra à esquerda e direita, respectivamente, o engolimento máximo da turbina e a potência máxima do gerador em função da altura de queda da usina. Ambos os valores são crescentes até o ponto em que se atinge a potência nominal (\(h_{nom}\)) do gerador, sendo a geração da usina nesse intervalo limitada pela capacidade da turbina. A limitação pelo gerador ocorre apenas acima desse valor \(h_{nom}\), quando é necessário reduzir o turbinamento da unidade geradora, pois a geração que seria obtida com o engolimento máximo da turbina seria maior que a capacidade do gerador.

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O engolimento máximo total do conjunto de turbinas de uma usina hidrelétrica (\({Q_{max}}_{Turb}\)) dada uma determinada vazão defluente \(Q_{def}\), pode ser obtido pela seguinte expressão:

\({Q_{max}}_{Turb} = (\frac{h_{liq}(Q_{def})}{h_{ef}})^\alpha \times q_{ef}\),

onde:

  • \(h_{liq}\): altura de queda líquida da usina;

  • \(h_{ef}\): altura de queda efetiva da usina, dada pela média das alturas efetivas de cada conjunto de máquinas da usina;

  • \(q_{ef}\): vazão efetiva da usina, que corresponde à soma das vazões efetivas de cadastro de suas unidades geradoras, e é considerada como sendo a vazão “nominal” da usina;

  • \(\alpha\): fator que depende do tipo das turbinas da usina:
    • 0.5 para as turbinas Francis e Pelton;

    • 0.2 para as turbinas Kaplan.

Os valores de \(h_{ef}\) e \(q_{ef}\) são obtidos nos cadastros dos conjuntos de unidades geradoras da usina, ponderadas pelo número de unidades de cada conjunto.

Observa-se que o cálculo da Altura de queda líquida da usina depende do volume do reservatório e da vazão defluente, que são variáveis de decisão nos problemas de otimização. Entretanto, o cálculo desse turbinamento máximo deve ser realizado a priori. Para contornar este problema, o cálculo do engolimento máximo nos modelos é realizado com base em um processo iterativo, que difere em função da técnica de solução empregada para resolver o problema, como descrito a seguir.

Cálculo do engolimento máximo no DECOMP

Para o cálculo do engolimento máximo no DECOMP, consideram-se as seguintes premissas:

  • a altura de queda líquida é calculada com base no volume da usina no início do estudo \(V_{inic}\);

  • como o engolimento máximo diminui com a vazão defluente, assume-se, a princípio, que a vazão defluente \(Q_{def}\) corresponde ao turbinamento máximo da usina, pois é o valor até o qual há um estímulo natural para que a usina deflua, já que a partir deste valor haverá vertimentos.

Esta segunda hipótese leva a um caráter recursivo para o valor da Cota de jusante \(h_{jus}\), uma vez que a mesma é afetada pelo próprio valor de turbinamento máximo que se deseja calcular. A expressão a seguir ilustra esse aspecto:

\({Q_{max}}_{Turb} = (\frac{h_{mon}(V_{inic})-h_{jus}({Q_{max}}_{Turb})-h_{PerdH}}{h_{ef}})^\alpha \times q_{ef}\),

onde \(h_{PerdH}\) corresponde às Perdas hidráulicas nos condutos.

Este efeito recursivo é contornado adotando-se, para o cálculo de \({Q_{max}}_{Turb}\), o resultado \({Q_{max}}_{Turb}^{(k)}\) do algoritmo iterativo ilustrado a seguir, onde \({Q_{max}}_{Ger}\) corresponde a potência máxima referente aos geradores da usina, e \(k\) indica-se o número da iteração. Para o critério de parada, adota-se o valor \(\delta = 1m^3/s\).

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Cálculo do engolimento máximo no DESSEM

No modelo DESSEM, o cálculo do engolimento máximo é feito antes de resolver cada problema de programação linear ou programação inteira no processo iterativo de resolução do problema como um todo. Assim como no tratamento da rede elétrica, a primeira iteração não terá a consideração do engolimento máximo, visto que não há uma estimativa ainda do volume a ser atingido por cada usina, em cada período. Assim, considera-se a soma das vazões máximas de cadastro das unidades geradoras. A partir da segunda iteração o engolimento máximo é calculado em função dos resultados da iteração anterior.

A Figura a seguir ilustra esse processo de atualização iterativa do engolimento máximo das usinas hidrelétricas no DESSEM.

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Consideração da defluência mínima obrigatória

Quando o turbinamento da usina estiver no seu valor máximo e houver vertimentos influenciando a cota do canal de fuga, o valor \({Q_{max}}_{Turb}\) calculado anteriormente (que assumiu \(Q_{def} = {Q_{max}}_{Turb}\)) será otimista, uma vez que a vazão vertida eleva a cota do canal de fuga, diminuindo ainda mais o valor de \({Q_{max}}_{Turb}\). Embora não seja possível prever a priori essa possibilidade de vertimento, já que a defluência é resultado do problema de otimização, há situações em que o vertimento é inevitável e pode ser detectado antes de se resolver o problema de otimização.

Com base na diferença entre as afluências naturais à usina \(I_i\) e ao conjunto \(M_i\) de reservatórios a montante de \(i\), e levando-se em consideração os volumes armazenado inicial \({V_{inic}}_i\) e máximo \(\overline{V}_i\), pode-se calcular uma defluência mínima obrigatória \({{Q_{def}}_{Min}}_i\) da usina hidrelétrica \(i\), como segue:

\({{Q_{def}}_{Min}}_i = max \{0,(I_i - \sum\limits_{j \in M_i}{}I_j) - (\overline{V}_i - {V_{inic}}_i)\}\),

onde a primeira parcela do termo não nulo à direita corresponde à afluência natural que chega à usina \(i\) e a segunda parcela corresponde ao armazenamento existente no reservatório para absorvê-la. Portanto, se a diferença entre essas parcelas for positiva, haverá uma defluência mínima obrigatória. Duas situações ainda podem ocorrer nesse caso:

  • \({{Q_{def}}_{Min}}_i \lt {Q_{max}}_{Turb}^{(k)}\): neste caso, a defluência mínima obrigatória é menor do que o “estímulo” máximo de defluência para o reservatório, e mantém-se o valor \({Q_{max}}_{Turb}^{(k)}\) para o cálculo do engolimento máximo;

  • \({{Q_{def}}_{Min}}_i \gt {Q_{max}}_{Turb}^{(k)}\): neste caso, haverá vertimento e o valor de engolimento máximo é calculado com base no valor de \({{Q_{def}}_{Min}}_i\).

Desta forma, o turbinamento máximo \(Q_{def} = {Q_{max}}_{Turb}\) a ser adotado para o engolimento máximo das turbinas do gerador será dado por:

\({Q_{max}}_{Turb} = (\frac{h_{liq}(Q_{def})}{h_{ef}})^\alpha \times q_{ef}\),

onde:

\(Q_{def} = max \{{{Q_{def}}_{Min}}_i,{Q_{max}}_{Turb}^{(k)}\}\).